Nesta quarta-feira, 26 de fevereiro, ocorreu, no auditório da Associação Mineira do Ministério Público, a primeira reunião pública de 2025 da Academia de Letras do Ministério Público de Minas Gerais. A assembleia centrou-se na palestra inédita “Alphonsus de Guimaraens: O poeta promotor”, ministrada por Lucas Guimaraens. Mineiro, poeta e especialista em cultura, Lucas é bisneto do renomado poeta simbolista, e, valendo-se de seu laço sanguíneo e amor pela literatura, abrilhantou a noite de todos os presentes com conhecimentos técnicos e biográficos a respeito de Alphonsus de Guimaraens, renomado autor expoente do Ministério Público Mineiro, o qual ocupa o posto de patrono da 3° cadeira de nossa Academia.
O evento teve seu início com uma emocionante declamação poética realizada pela escritora bahiana-marianense Jailda Freitas, que transformou os ares do auditório em sarau literário. Foram interpretadas 3 poesias autorais de Alphonsus, servindo de prefácio para a apresentação que veio em seguida. Em “O amor tem vozes misteriosas”, Jailda externou a faceta agridoce do amor, que é capaz de causar, ao mesmo tempo, alegrias estonteantes e dolorosas tristezas. Em “Pastoral”, apresentou-nos o “luar”, personagem constante das obras e do imaginário desse escritor. Por final, no célebre “Nasci Poeta”, foi-nos introduzida a alma literária nata de Alphonsus, nosso poeta-promotor.




Já no decorrer da apresentação, Lucas Guimaraens destacou as conexões entre a rica obra de Alphonsus com sua curta, mas expressiva, carreira como Promotor de Justiça na comarca de Conceição do Serro (atual Conceição do Mato-Dentro). Jurista exemplar, o “Poeta do Luar” – como foi postumamente alcunhado por Carlos Drummond de Andrade – viveu todas as agruras de ser o representante da lei em um recanto interiorano marcado, na época, por oligarquias políticas e arbitragens informais de conflitos. Foi seu incansável ímpeto de defender os direitos dos cidadãos, denunciando as injustiças sociais, que levou à sua remoção da função em 1897. Isso ocorreu pois, naqueles tempos, diferentemente de hoje, para estar à frente de uma promotoria de justiça era necessária indicação política, mas com suas investidas pelo bem popular, desagradou a essa classe.
Contudo, mesmo fora das atribuições do cargo, as experiências vividas em seus anos de promotoria o seguiram por toda a sua carreira na produção literária. Afinal, foi naquele posto que Alphonsus teve contato direto e diário com as dores e mazelas da vida humana, expressas pelos cidadãos por ele atendidos e tema constante de seus escritos de reflexão e melancolia simbolista. Ademais, o aspecto da justiça propriamente dita também foi abundantemente explorada pelo poeta. Incapacitado de tomar parte em juris após o fim de seus anos como Promotor, Guimaraens passou a debruçar-se, em forma de poesia, sobre a justiça divina e metafísica, tomando parte, então, nas leis de Deus no lugar da dos homens.
Já no aspecto literário, a palestra de Lucas Guimaraens destacou a magnitude e relevância nacional do Promotor mineiro que transcendeu seu ofício jurídico e se tornou imortal nas artes. “Nasci poeta, que queres?”, redigiu ele uma vez, em seus versos; e foi tal alma de poeta que o levou a servir de ícone e inspiração para tantos artistas que o sucederam. Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e demais modernistas brasileiros beberam fartamente da fonte de Alphonsus de Guimaraens e o homenagearam em muitas de suas obras, tendo até mesmo o colocado como patrono máximo de seu maior evento, a Semana de Arte Moderna de 1922, que deveria ter como subtítulo, o nome dO Poeta-promotor. Posteriormente, sua produção foi reconhecida e exaltada por ícones contemporâneos das artes, como Fernanda Montenegro, Milton Nascimento e Emicida, tendo todos eles prestado tributo a Alphonsus por meio de reinterpretações daquele que ficou marcado na história como seu mais célebre poema: Ismália. Também, a família Guimaraens foi tocada pela vida e obra de seu patriarca, produzindo uma série de expoentes que se dedicaram aos ofícios da poesia e da cultura, a exemplo do próprio palestrante, amplamente reconhecido pela academia por seus escritos literários.
Por fim, a palestra também destacou a importância e valor histórico-cultural do Museu Casa de Alphonsus de Guimarães, localizado na cidade de Mariana, que resgata a memória da trajetória do escritor e seus escritos. Sediado na casa em que Alphonsus residiu com sua esposa e 14 filhos, entre 1913 e 1921, o museu foi restaurado na última década com apoio do Ministério Público mineiro, e seu acervo se faz uma joia ímpar para a historiografia literária de Minas Gerais. Concluindo a reunião, foi feito pelo palestrante Lucas Guimaraens e pelo presidente da Academia, Marcos Paulo de Souza Miranda, um apelo para que mais pesquisas sejam desenvolvidas a respeito da face “promotor” do poeta, de modo a incrementar os conhecimentos a respeito desse tão relevante aspecto de sua vida. Assim, foi proposto que, em caso de novas revelações e materiais sobre os tempos de Alphonsus no Ministério Público, uma sala desse museu poderia ser dedicada, exclusivamente, a essa faceta do poeta.
Em suma, a palestra externou com primazia como Alphonsus, expoente da literatura mineira, “pode ter deixado a toga e o fórum, mas sua alma seguiu julgando as dores, os amores e os tormentos humanos”, como destacado pelo palestrante ao longo da noite. Logo, esse poeta-promotor demonstrou, em toda a sua carreira literária, aquilo que é a alma da nossa Academia de Letras do Ministério Público, que é valer-se da expertise de nossos postos e somar tal conhecimento à cultura e à literatura, criando um válvula de escape riquíssima para a produção e prática da escrita.
Texto de: Maria Fernanda Alves Miranda